terça-feira, 17 de agosto de 2010

FILOSOFIA

3º Bimestre

Como fica Deus no pensamento racional filosófico?


Entre a Fé e a Razão


O cristianismo poderia ter se mantido exclusivamente no terreno da fé. Ao contrário da razão, que exige provas e demonstrações, a fé basta a si mesma. Crê-se, e é o suficiente. O cristianismo, porém, não se satisfez com credo. Entrou no terreno da filosofia. Mais do que isso, foi a forma que a filosofia assumiu por mais de um milênio. Em contrapartida, a fé cristã assimilou procedimentos racionais.
Esse encontro, marcado por tensões entre a fé e a razão, iniciou-se no Império Romano, que propiciava a mescla de diversos valores culturais, e prolongou-se por toda a Idade Média, quando a Igreja se tornaria preponderante.
Historicamente, o cristianismo origina-se das pregações de Jesus de Nazaré pela Judéia, então anexada ao Império Romano. Sua mensagem é simples: amar ao próximo, praticar a bondade e desprezar os valores deste mundo, pois a verdadeira morada do homem é o reino dos céus. Jesus se declarava filho de Deus, enviado ao mundo para redimir o homem dos pecados. Sua crucificação seria, nessa medida, o sacrifício do próprio Deus encarnado para salvar os homens.
Após a morte de Jesus (e sua ressurreição, de acordo com o Novo Testamento), essas idéias conquistaram inúmeros adeptos em várias regiões do Império. Nessa difusão - para a qual concorreu o infatigável trabalho dos apóstolos -, a mensagem de Jesus passou a se expressar em vários idiomas, como o grego e, mais tarde, o latim. O próprio termo “Cristo”, incorporado ao nome de Jesus, é de origem grega e significa “ungido”

A filosofia, um “erro vazio”

A difusão do cristianismo trouxe, como era de esperar, um confronto entre a fé e a razão. O apostolo Paulo (século I) é o primeiro a enfrentar essa questão. Ele estava habilitado para isso: judeu, mas cidadão romano, educou-se num ambiente imerso na cultura helenística . Por isso, não se intimidou quando, em Atenas, viu-se diante de “filósofos epicureus e estóicos”, como narra o livro Atos, do Novo Testamento: “Atenienses, tudo indica que sois de uma religiosidade sem igual. (...) Encontrei inclusive um altar com a inscrição: ‘Ao deus desconhecido’. Pois bem! Justamente aqui estou para vos anunciar este Deus que adorais sem conhecer. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe (...)”.
Mas, quando Paulo entrou no terreno cristão, os atenienses não o compreenderam. A idéia de que Deus enviara um homem para julgar o mundo, e que, como prova disso, ressuscitara esse mesmo homem entre os mortos, provocou risos. Paulo foi obrigado a retirar-se, embora o relato também afirme que ele conquistou alguns fiéis.
Outra é a atitude do apóstolo na Primeira Carta aos Coríntios. Em vez de empregar os argumentos dos adversários – como havia feito com os atenienses –, Paulo parte para o confronto direito: “Onde está o sábio? Onde o letrado? Onde o pesquisador das coisas desse mundo? Não é verdade que Deus mudou a sabedoria do mundo em falta de bom senso? (...) Pois a loucura de Deus é mais sábia que os homens (...). Anunciamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta (...)”.
Por fim, quando utiliza deliberadamente a palavra “filosofia”, não deixa nenhuma margem de dúvida: “Ficai atentos, para que ninguém vos arme uma cilada com a filosofia, esse erro vazio que segue a tradição dos homens e os elementos do mundo, e não segue Cristo” (Carta aos Colossenses).
As duas atitudes de Paulo – a de converter os gregos, conciliando-se com seus valores, e a de confronto – coexistem nesse período inicial do cristianismo. De modo geral, o confronto corresponde a períodos em que os cristãos sofrem violenta perseguição, enquanto a conciliação representa os momentos em que o cristianismo é tolerado. É o que fazem os padres apologistas, que, no final do século II, enviam inúmeras apologias (defesa e justificação) do cristianismo ao imperador. Argumentam com valores greco-romanos, afirmando, por exemplo, que Heráclito e Sócrates eram cristãos antes mesmo de Cristo.

1 A chamada cultura helenística é simplesmente a expressão de três linhas mestras de pensamento: a primeira, é o estoicismo que tinha como um dos principais fundamentos o culto pela apatia, condenação às emoções, a exaltação da razão divina como aquela capaz de reger o mundo, entre outras; a segunda: o epicurismo, que tinha na sensação o critério de verdade do bem (prazer), o atomismo que explicava a formação e a transformação das coisas por meio da união e da separação dos átomos e por útlimo o semia-ateísmo, pelo qual Epicuro (filósofo e fundador da escola epicurista) acreditava na existência dos deuses, que, no entanto, não desempenhavam papel nenhum na formação e no governo do mundo. O último é o ceticismo, que é não acreditar em nada que seja realmente comprovado.

Do ponto de vista teórico, ambas a situações são viáveis. De um lado, a idéia cristã de Deus que se fez homem e que se deixou crucificar é um escândalo não só para as religiões pagãs, mas sobretudo para a filosofia, que havia construído a noção de um Deus abstrato, indiferente ao mundo, ou, no melhor dos casos, coincidente com o próprio mundo. Para a filosofia, é absurda a idéia de um Deus que ama o homem e que se sacrifica por ele. Assim, o cristianismo só pode combater a filosofia.
Por outro lado, porém, a conciliação é possível. Pois o Evangelho Segundo São João não se inicia com a célebre frase: “No princípio era o Verbo”? E o que é o verbo senão o logos? Há inúmeros outros pontos em comum entre a filosofia e o cristianismo, principalmente no uso de certas palavras – ainda que fosse freqüente a adulteração de vocábulos, na tradição da Bíblia do hebraico para o grego. O esforço dos padres – muitos eram filósofos antes da conversão – dirige-se no sentido de tecer, a partir desses pontos de contato, um pensamento que acomode o cristianismo e a tradição filosófica, a fé e a razão. Ao mesmo tempo, vários filósofos também passaram a incorporar elementos bíblicos na elaboração de seu pensamento.
O mais destacado dos padres apologistas é Clemente de Alexandria (c. 150-215), que introduz uma série de termos gregos (e portanto filosóficos) na linguagem cristã. Dentre eles está a palavra gnosis (conhecimento), que indicaria a perfeição do cristianismo.
Mas isso logo se revelou uma faca de dois gumes: a palavra gnosis, incorporada ao cristianismo, deu asas ao gnosticismo, uma seita secreta e esotérica. O gnosticismo logo ultrapassaria os limites do cristianismo, afirmando possuir o conhecimento dos mistérios divinos. A Igreja, cada vez mais institucionalizada, acabaria achando um meio de combater essas pretensões de um conhecimento superior, acima da fé.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Texto: Introdução ao pensamento filosófico

O que é Filosofia?



A coruja, Ave de Minerva, é o símbolo da Filosofia. O filósofo Hegel escreveu que, assim como a coruja levanta vôo ao anoitecer, também a Filosofia e os grandes filósofos surgem em momentos em que a sociedade humana começa a anoitecer, a entrar em crise...


No seu sentido mais comum, o substantivo filosofia ou o verbo filosofar tem a ver com pensamento ou com o ato de pensar. Filosofar é pensar sobre o que nos acontece, sobre o sentido do que nos acontece ou sobre o significado da vida humana. Alguns dizem que se tem uma “filosofia de vida”. Mas este significado do termo certamente é muito amplo e vago. Há um sentido menos comum, em que filosofar significa saber viver com sabedoria, de acordo com uma doutrina, com uma Filosofia. Assim há, por exemplo, sabedorias diferentes daquelas que conhecemos no mundo ocidental, como as dos sábios orientais Confúcio e Lao Tsé (China), Buda (Índia) e Zaratustra (Pérsia), mas as suas doutrinas ainda estão vinculadas à religião, e não caracterizadas pelo uso da razão, pela racionalidade.

Existe, porém, um sentido mais específico e preciso de filosofar: procurar e/ou encontrar a verdade por meio de uma atividade racional. E a gente encontra a verdade porque precisa e deseja sabê-la. E a verdade é necessária para viver. Mas nem todas as perguntas que fazemos são perguntas filosóficas, como nem todas as respostas são respostas filosóficas. Não é “filosófico” saber: “que dia é hoje?”, mas é filosófico perguntar: “o que é o tempo?” O que é a verdade? O que é a mentira? O que é a liberdade? O que é a razão? São todas perguntas filosóficas. E sabemos que nem todos estão acostumados a fazê-las e tampouco consideram que sejam perguntas importantes.



A ATITUDE FILOSÓFICA


Podemos dizer que filosofar é ter uma “atitude filosófica”. Mesmo que digamos que “de filósofo e louco todo mundo tem um pouco”, de fato são poucos os que têm esta atitude, exigindo-se para isso o conhecimento dos textos da História da Filosofia e, principalmente, a criação do hábito de pensar de maneira rigorosa e crítica.

Falamos, portanto, da Filosofia que quebra com o nosso saber prático do dia a dia, e que nem sempre nos agrada, pois à primeira vista parece ser perda de tempo ou incômodo exagerado com as coisas, deixando-nos, quem sabe, angustiados demais, para além do conveniente.

O filósofo pode parecer alguém desligado da realidade, vivendo nas nuvens, em coisas abstratas, distraído, perdido ou aparentemente alheio aos problemas concretos da vida. Como exemplo desta visão preconceituosa da filosofia, temos a história do antigo sábio grego, chamado Tales, que, ao olhar para o céu a fim de entender os movimentos das estrelas, acabou caindo num poço. Ou com um ditado popular italiano bastante conhecido: “a Filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual tudo continua tal e qual!”.

É claro que tudo isso não é verdade. O filósofo, ao contrário de ser uma pessoa distante do mundo, preocupa-se a fundo com suas questões e não se contenta com as coisas óbvias. Ele é inimigo mortal de qualquer fanatismo, de qualquer dogmatismo (crença não explicada). Todo filósofo é um porta-voz consciente de um povo.

Filósofo não inventa a realidade, mas interpreta a realidade em que vive. Assim, podemos afirmar que toda filosofia é e deve ser radical, pois não se contenta em ficar na superfície das coisas, mas procura ir às raízes (por isso, radical), busca desvendar os porquês das coisas.

O filósofo faz perguntas do tipo: o que é a realidade? Como a realidade é? Por que a realidade é assim? Ele procura a essência (aquilo que torna uma coisa aquilo que ela é), o significado e a origem do que quer conhecer.

O filósofo reflete. Falar de reflexão lembra o espelho no qual a gente se reflete. Pois bem: filosofar é refletir. É um movimento de volta sobre si mesmo. Refletir é pensar o próprio pensamento. É esta capacidade humana que nos distingue dos seres animais.

De toda forma, quem prefere uma vida tranquila, uma vida mais grudada ao cotidiano, ao terra-a-terra, fica longe da Filosofia. E quem quer alcançar maior profundidade, quem gosta de chegar às raízes, ser mais radical, vai precisar dela, mesmo que isso não lhe venha a trazer certezas ou tranquilidade.

O filósofo é quem assume correr o risco de viver mais inseguro, ter cada vez mais perguntas, e não respostas. Esta atitude filosófica deve ser claramente separada da mera opinião ou dos gostos pessoais. Não é filosófico dizer “eu acho que”, “eu gosto de”... A filosofia estabeleceu-se como saber lógico, rigoroso, que quebra o senso comum, ou seja, que não se contenta com aquilo que nos é contado sem explicações, sem sabermos os porquês.


ESPECIFICIDADE DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO


Filosofia é o esforço racional para tentar compreender o Universo. Assim, podemos perceber a diferença entre religião e filosofia.

A religião tem por base a fé, pela qual se aceitam verdades não demonstráveis e que tantos consideram até mesmo irracionais. Claro que isso não significa que, sob todos os pontos de vista, as verdades de fé não sejam aceitáveis. Até mesmo alguns filósofos, como São Tomás de Aquino, na Idade Média, tentou mostrar que fé e razão não eram incompatíveis. Já a filosofia, como lemos antes, preocupa-se com o conhecimento racional, com a origem (raiz), a ética, a política, a estética, as quais estudaremos mais tarde.

Assim, a filosofia é reflexão, é crítica e é análise. Isso não quer dizer que ciência e filosofia são a mesma coisa. As ciências estudam “o quê” e o “como” dos fenômenos, enquanto a filosofia estuda o “porquê” e o “que é”.




OS GREGOS INVENTAM A FILOSOFIA


A filosofia tem uma história de mais de dois mil e quinhentos anos. Nascida na Grécia Antiga, ali se consolidou, tornando-se uma das principais marcas da civilização ocidental. Os gregos, desde os primórdios (por volta de 1500 a. C., com a civilização micênica), se concentraram nas costas do Mar Mediterrâneo, em pequenas e distintas nações, constituindo posteriormente cidades independentes e rivais entre si (as cidades-estado ou pólis). Cada cidade com sua cultura, seus hábitos, sua política. Mesmo assim, foi criada uma comunidade de língua e de religião, o que fez com que se constituíssem em um povo.

Antes do advento (surgimento) da filosofia, os gregos explicavam o mundo ao seu redor através dos mitos. Havia os mitos sobre a origem do mundo, do homem, sobre os fenômenos da natureza, entre muitos outros. Dentro da mitologia grega estavam os deuses, a quem eram atribuídas muitas coisas que aconteciam ou existiam no Universo. Por exemplo, Atenas era a deusa da sabedoria; Afrodite, a deusa da beleza; Poseidon, o deus dos mares e terremotos; Apolo, deus do sol e da verdade...

Com o passar do tempo, entre os séculos VI e V a. C., cresceu a importância das cidades-estado Esparta e Atenas. Esta última desenvolveu muito o comércio e expandiu-se em direção a outras cidades-estado, adquirindo muito poder. Atenas criou a democracia direta, sistema político em que todos os cidadãos podiam participar, e foi palco para o surgimento das artes, das tragédias, das comédias e, o que mais nos interessa, da filosofia.

Podemos afirmar então que a filosofia surgiu na Grécia no momento em que as cidades começaram a crescer, a vida em sociedade se intensificou, o comércio se desenvolveu, surgiu a moeda como forma de troca, apareceu a escrita alfabética, o calendário, e a política floresceu.

Os homens passaram a necessitar de respostas para organizar aquela nova vida social e os mitos não foram mais capazes de explicar o mundo. Além disso, os filósofos antigos passaram a acreditar que era impossível solucionar alguma questão a partir dos sentidos (tato, olfato, visão, audição, paladar), pois cada um tem sensações diferentes, nem através dos sentimentos (amor, apego, ira), pois eles são instáveis, e muito menos pelas opiniões (chamadas também de doxas), já que podem mudar a qualquer momento. Os gregos, por isso, desejaram criar uma forma de conhecimento que fosse válida para todos, em qualquer tempo e em qualquer sociedade, ou seja, um conhecimento universal, neutro, objetivo e imutável, baseado em algo que pertence a qualquer ser humano: a razão. Assim, a visão racional começou a predominar e servir de base para perguntas como: qual a origem do mundo? O que são os fenômenos da natureza? O que é o homem?

Os primeiros nomes da filosofia são os de Tales de Mileto, Heráclito, Anaximandro, Anaxágoras, Xenófanes, Parmênides e Demócrito, a quem estudaremos posteriormente. Também podemos mencionar os três maiores representantes da filosofia grega: Sócrates, Platão e Aristóteles, dos quais falaremos adiante.


SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES


Sócrates foi um filósofo ateniense nascido em 469 a.C. e morto aos setenta anos, em 399 a. C. Seu pensamento é muito importante para o nascimento da filosofia, influenciando-a até os dias de hoje. Ele nunca deixou nada escrito, motivo pelo qual só conhecemos suas idéias através dos textos de seu mais importante discípulo e seguidor: o filósofo Platão.

O grego Sócrates desenvolveu o método da “maiêutica”, que quer dizer o “parto de idéias”. Ele fazia os jovens atenienses duvidarem de tudo aquilo que pensavam que sabiam para, a partir de então, fazê-los criar uma nova idéia vinda de dentro deles próprios. Isso era a “maiêutica”. A célebre expressão “conhece-te a ti mesmo” significa, então, a busca de uma verdade na razão de cada um de nós, o que nos faz refletir sobre as informações que nos são passadas e não apenas aceitá-las como se fossem verdades. Assim, era na filosofia, no pensamento racional, que estava a busca pela verdade. Ou ainda mais: o filósofo era aquele que buscava racionalmente a verdade.

Outra frase famosa de Sócrates é a “só sei que nada sei”. Segundo ele, reconhecer nossa própria ignorância era o primeiro e mais importante passo para a busca do conhecimento. Somente se nos livrássemos dos dogmas (crenças fechadas, sem explicações) poderíamos nos questionar sobre o mundo e, assim, aprender sobre ele. Sócrates afirmava que as pessoas deviam chegar à essência de todas as coisas (o que faz delas o que são), e não apenas no conhecimento superficial sobre elas. Assim, ele se perguntava: qual é a essência da justiça? Qual é a essência da virtude? Qual é a essência do bem?

O grego nunca buscou para si riqueza material, pois considerava que o importante da vida era o auto-desenvolvimento e a busca pelas virtudes. Há uma suposta estória de que, certa vez, Sócrates passou horas, descalço, sobre a neve, “filosofando” sobre tal fenômeno da natureza.

Sócrates foi incompreendido em sua sociedade e acusado de “corromper” a juventude, que passou a questionar os mitos e as explicações mágicas do mundo para fazer uso da razão. O filósofo passou por um julgamento e foi condenado, o que o obrigou a beber cicuta (veneno) e provocou sua morte.

O filósofo Platão, por sua vez, compartilhava muitas ideias com seu mestre Sócrates. Porém, acreditava que o filósofo não era aquele que buscava a verdade, mas sim aquele que encontrava a verdade, também por meio da razão. Para Platão, a verdade não era subjetiva (não vinha de dentro dos homens), e sim objetiva, ou seja, estava fora dos seres humanos e simplesmente existia como tal na realidade. A tarefa do homem era conhecer racionalmente essa realidade para alcançar, enfim, a verdade.

Tanto Platão quanto Sócrates pensavam que só os filósofos poderiam fazer o bem e, portanto, apenas eles seriam indicados para se encarregar da política. Platão afirmava que a tarefa dos políticos era colocar em prática a verdade alcançada com a sabedoria. O “mito da caverna”, escrito por ele, é importante para ilustrar essa ideia. O homem que saiu da caverna seria aquele que encontrou a verdade e precisou colocá-la em prática.

Platão desenvolveu ainda a ideia da existência de um mundo ideal, racional, que transcendia (ia além) inteiramente o mundo empírico (que experimentamos) e material em que vivemos. As idéias não seriam formas abstratas (sem existência fora da mente) do pensamento, mas sim realidades a serem conhecidas, objetivas, das quais tiraríamos cópias imperfeitas para criar nosso mundo material. Por exemplo: uma árvore que vemos em nossa frente, tocamos, cheiramos, sentimos, seria uma cópia imperfeita de uma árvore existente no mundo das ideias. A árvore ideal será sempre uma árvore, enquanto a árvore que vemos pode ser de vários tamanhos, formas, enfim, totalmente mutável. Desse modo, haveria dois mundos: um deles eterno e imutável, o mundo inteligível ideal e o mundo material que percebemos através dos nossos sentidos, o mundo sensível.

Falaremos, por último, do mais aplicado aluno de Platão, considerado por ele o maior leitor da Grécia: o grego Aristóteles. Este seguiu Platão por mais de vinte anos e, quando morreu seu mestre, fundou o liceu, uma espécie de escola ao ar livre, onde criou seu próprio pensamento filosófico.

Aristóteles discordava de Platão quanto à existência de dois mundos, um sensível e outro inteligível. Para o jovem discípulo, existia apenas um mundo, o sensível, este em que vivemos, apreensível pelos nossos sentidos, pela nossa experiência. A tarefa do filósofo era a de conhecer a essência imutável das coisas, através da razão, a partir dos sentidos. Aristóteles propunha uma observação incessante da natureza e a adoção de um rigoroso método que permitisse ao homem conhecer o mundo.

Ele foi o fundador da lógica, tão importante em nosso mundo contemporâneo e base de várias ciências, entre elas a física e a matemática. Outro assunto de que Aristóteles muito se ocupou foi a política. Para o pensador, “o homem é um animal político”, o que significa que a natureza dos homens faz com que se relacionem de forma a alcançar um bem no espaço da cidade, da polis (de onde deriva o nome político). Aristóteles morreu em 322 a.C.

domingo, 18 de abril de 2010

Senso moral e consciência moral


Senso moral e consciência moral

Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no Brasil, milhares de pessoas morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade e ficamos indignados. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Esses sentimentos e as ações desencadeadas por eles exprimem nosso senso moral, a maneira como avaliamos nossa situação e a de nossos semelhantes segundo idéias como as de justiça e injustiça.
Quantas vezes, levados por um impulso incontrolável ou por uma emoção forte, fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa? Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral, isto é, a avaliação de nosso comportamento segundo idéias como as de certo e errado.
Em muitas ocasiões, ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça, altruísmo. Sentimos que há grandeza e dignidade nessa pessoa. Sentimos admiração por ela e desejamos imitá-la. Tais emoções e sentimentos também exprimem nosso senso moral, isto é, a maneira como avaliamos a conduta e a ação de outras pessoas segundo idéias como as de mérito e grandeza de alma.
Não raras vezes somos tomados pelo horror diante da violência: chacina de seres humanos e animais, linchamentos, assassinatos brutais, estupros, genocídio e torturas. Com freqüência, ficamos indignados ao saber que um inocente foi injustamente acusado e condenado, enquanto o verdadeiro culpado permanece impune. Sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens à custa da boa-fé de outros. Esses sentimentos também manifestam nosso senso moral, ou a maneira como avaliamos as condutas alheias seguindo as idéias de justiça e injustiça.
Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho lhe permitira sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Pode aceitar o emprego? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a mulher morrendo?
Uma mulher vê uma criança maltrapilha e esfomeada pegar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando dificuldades e que o furto fará diferença para ele. Mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que com isso a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo? Ou deverá silenciar, pois a criança corre o risco de receber punição excessiva, ser levada pela polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora, revoltada, passar do furto ao homicídio? Que fazer?
Uma pessoa vê, nas portas de uma escola, um jovem vendendo droga a um outro. Essa pessoa sabe que tanto o jovem traficante como o jovem consumidor estão realizando ações a que foram levados pela atividade do crime organizado, contra o qual as forças policiais parecem importantes. Deve denunciar o jovem traficante, mesmo sabendo que com isso não atingirá as poderosas, forças que sustentam o tráfico, mas apenas um fraco anel de uma corrente criminosa que permanecerá impune e que poderá voltar-se contra que fez a denúncia? Ou deve falar com as autoridades escolares para que tomem alguma providência com relação ao jovem consumidor?
Mas de que adiantará voltar-se contra o consumo, se nada pode fazer contra a venda propriamente dita? No entanto, como poderá sentir-se em paz sabendo que há um jovem que talvez possa ser salvo de um vício que irá destruí-lo? Que fazer?

Consciência moral

Situações como essas surgem a todo momento em nossa vida. Nossas dúvidas quanto à decisão a tomar não manifestam nosso senso moral, mas põem à prova nossa consciência moral, pois exigem que, sem sermos obrigados por outros, decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas.
Em outras palavras, a consciência moral não se limita aos nossos sentimentos morais, mas se refere também a avaliações de conduta que nos levam a tomar decisões por nós mesmos, a agir em conformidade com elas e a responder por elas perante os outros.
Os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e as decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que se referem a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem.
Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bem e o mal, também se referem a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmo, seja por recebermos a aprovação dos outros.
Além disso, os sentimentos e as ações morais são aqueles que dependem apenas de nós mesmos, que nascem de nossa capacidade de avaliar e decidir por nós mesmos e não levados por outros ou obrigados por eles; em outras palavras, o senso e a consciência morais têm como pressuposto fundamental a idéia de liberdade do agente.
O senso moral e a consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal, ao desejo de felicidade e ao exercício da liberdade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida com outros agentes morais. O senso e a consciência morais são por isso constitutivos de nossa existência intersubjetiva, isto é, de nossas relações com outros sujeitos morais.

Filosofia - série brasil. Ensino Médio/ Volume Único. Marilena Chauí. Págs 176 e 177 /Unidade 7 – A ética/ Cap 24 – A existência ética Editora Ática. Ano 2005.

Para Filosofar. Editora Scipione. Autores: Cordi, Santos, Bório, Correa, Volpe, Laporte, Araújo, Schlesener, Ribeiro, Floriani, Justino. Ano 1996